Em uma aldeia do Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, uma boa parte da fonte de renda da população indígena vem da arte e do artesanato que eles desenvolvem.
Artistas e artesãos da etnia Mehinaku, que tem uma população aproximada de 300 pessoas divididas em quatro aldeias, conquistaram total autonomia graças à sua extensa produção de bancos, redes e esteiras.
“Aprender a lidar com o dinheiro foi uma das formas que encontramos de manter a nossa cultura viva. Na aldeia Kaupüna, esse processo começou ainda na década de 1990, quando nossos líderes viram que havia interesse comercial nas peças que produzimos e, ao invés de só fazer trocas por outras mercadorias, passamos a vender e oferecer o nosso artesanato em lojas de grandes cidades como Brasília e São Paulo”, revela o artesão e artista Kulikyrda Mehinaku.
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As parcerias que ajudam a divulgar a arte e o artesanato indígena
Parte desta mudança de percepção do mercado se deve a parcerias com instituições que expõem e divulgam seus trabalhos e com designers na criação de novos produtos. Uma das iniciativas partiu de Tomas Alvim e Marisa Moreira Salles, criadores da Coleção BEĨ, que hoje conta com mais de mil bancos de 46 etnias brasileiras.
O projeto começou em 2003 com o encantamento dos dois por um banco Mehinaku. “A Coleção BEĨ nasceu de um deslumbramento estético com a beleza das formas, cores, grafismos e texturas dos bancos indígenas brasileiros. Fomos adquirindo peças, inicialmente sem grandes pretensões, até que o contato direto com os artistas nos fez entender com muito mais profundidade os significados, tradições e componentes simbólicos que integram a confecção de cada banco. Olhando para a coleção, a gente consegue perceber que, desde antes da colonização, a estética já era um elemento central na formação da cultura brasileira”, afirma Alvim.
As peças já circularam por 18 exposições em diferentes cidades do Brasil e no exterior, com passagens pelo Japão, Itália e EUA, sempre com a premissa de levar um artista indígena ao local da exposição para falar sobre sua própria cultura. Além disso, um livro foi lançado em 2017 e outro acaba de chegar em março, durante a SP-Arte, pela Editora BEĨ.
A técnica indígena em pauta
A habilidade técnica e olhar estético dos Mehinaku também chamou a atenção da designer, pesquisadora e artista Maria Fernanda Paes de Barros que, em meio a seus processos de pesquisa, foi convidada pela liderança da Kaupüna para fazer uma imersão presencial na aldeia com a chance de vivenciar a rotina, aprender algumas das técnicas e observar as tradições da etnia. O resultado desta relação foram as Coleções Xingu e Kulá, com diversas peças que provocam reflexões acerca das relações entre primeiros e segundos povos, além de usar o design para trazer questionamentos e propor novos caminhos para uma inovação que, antes de tudo, respeite a tradição.
“Como designer e artista, penso que olhar para o passado é uma das melhores formas de compreendermos o presente e de construirmos o futuro. Numa área em que muitos olham para fora, para mim, é praticamente impossível refletir a identidade brasileira sem que a gente passe pelas diversas contribuições indígenas. No caso dos Mehinaku, um dos aspectos mais interessantes é que as técnicas transmitidas de geração a geração se mantêm vivas por séculos, ao mesmo tempo em que peças que resultam deste trabalho se mostram extremamente contemporâneas”, revela Maria Fernanda.
Os impactos dessa valorização
O maior impacto da organização da aldeia Mehinaku está diretamente ligado ao acesso à saúde e à educação. No último ano, graças aos valores arrecadados com a venda de produtos, a aldeia construiu um posto de saúde próprio. “Muitos profissionais de saúde não querem vir para a floresta, porque o acesso é difícil, por isso, criamos o nosso posto, compramos remédios e também temos alguns integrantes da aldeia na faculdade”, revela Kulikyrda.
Cursando o terceiro período da faculdade de Odontologia em São Paulo, a estudante Kayanaku Mehinaku deve ser a primeira dentista da aldeia Kaupüna e concilia a rotina de estudos com a venda, contatos com lojistas e a participação em eventos de promoção da cultura indígena. Depois de formada, sua intenção é voltar para o Mato Grosso para conseguir atender na região do Xingu. “Pelo que me lembro, só tem um dentista na cidade mais próxima e acaba não sendo suficiente para todo mundo que precisa. Por isso, escolhi vir estudar e tive o incentivo dos meus pais”, finaliza.
Com a fundação recente do Instituto de Arte Indígena Brasileira Xepi – processo feito pelos artesãos com auxílio do Instituto BEĨ – agora eles pretendem construir uma escola que, além de ensinar a língua portuguesa e outras matérias do currículo nacional de educação, ainda deve contar com ensinamentos da tradição Mehinaku. “É mais uma maneira formalizada de defendermos os interesses da floresta”, finaliza Kulikyrda.
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